Acordo de Não Persecução Penal: fundamentos, aplicação prática e impactos no sistema de justiça

Introdução

Nos últimos anos, o sistema de justiça criminal brasileiro tem passado por mudanças significativas voltadas à eficiência e à redução da morosidade processual. Uma das medidas mais relevantes nesse contexto foi a introdução do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), formalizado no Código de Processo Penal (CPP) pela Lei nº 13.964/2019, o chamado "Pacote Anticrime".

Esse instituto busca promover soluções consensuais em determinados delitos, desafogando o Judiciário e ampliando a aplicação de mecanismos despenalizadores. Para advogados, defensores públicos, membros do Ministério Público e demais profissionais da área jurídica, compreender o alcance e os limites do ANPP é essencial para uma atuação eficaz e estratégica.

Neste artigo, vamos detalhar o que é o Acordo de Não Persecução Penal, seus requisitos, limites de aplicação, vantagens e desafios, oferecendo uma visão prática e crítica para profissionais do Direito.

 

O que é o Acordo de Não Persecução Penal?

O Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) é um negócio jurídico processual entre o Ministério Público e o investigado, assistido por sua defesa técnica, que permite evitar o oferecimento da denúncia em troca do cumprimento de condições específicas.

Diferente da transação penal e da suspensão condicional do processo, o ANPP incide em fase pré-processual, ou seja, antes mesmo da instauração da ação penal, evitando que o acusado se torne réu em processo criminal.

O fundamento central do instituto é o princípio da oportunidade qualificada, em que o Ministério Público pode, dentro dos parâmetros legais, optar por não dar início à persecução penal, desde que preenchidos os requisitos.

 

Base legal do ANPP

O artigo 28-A do Código de Processo Penal, incluído pela Lei nº 13.964/2019, disciplina o ANPP. O dispositivo estabelece os requisitos e condições que devem ser observados, além de prever o controle judicial para homologação do acordo.

Em síntese, o ANPP pode ser proposto quando o investigado confessar formal e circunstanciadamente o delito e se tratar de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 anos.

O instituto tem respaldo constitucional em princípios como:

  • Eficiência da Administração da Justiça (art. 37, caput, da CF).

  • Razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII, da CF).

  • Consensualidade no processo penal, tendência moderna em diversos ordenamentos jurídicos.

 

Requisitos para aplicação

Para que o Acordo de Não Persecução Penal seja viável, a lei impõe requisitos objetivos e subjetivos. Entre eles:

  1. Natureza do crime: infração sem violência ou grave ameaça.

  2. Limite de pena: pena mínima cominada inferior a 4 anos.

  3. Confissão formal: o investigado deve admitir o fato de maneira clara e circunstanciada.

  4. Condições impostas: o acordo deve prever medidas proporcionais e adequadas, como:

    • Reparação do dano à vítima.

    • Prestação de serviços à comunidade.

    • Pagamento de multa ou outra condição de caráter social.

Cabe ao Ministério Público avaliar a conveniência da proposta, sendo que a recusa deve ser fundamentada. O juiz, por sua vez, atua apenas na fase de homologação, controlando a legalidade e voluntariedade do acordo.

 

Diferenças entre ANPP e outros institutos

É comum que estudantes e operadores do direito confundam o ANPP com outros mecanismos de justiça consensual. É importante destacar as distinções:

  • Transação penal: prevista na Lei nº 9.099/95, aplica-se às infrações de menor potencial ofensivo (pena máxima até 2 anos). O ANPP, por sua vez, abrange crimes com pena mínima inferior a 4 anos.

  • Suspensão condicional do processo: também da Lei nº 9.099/95, só ocorre após o recebimento da denúncia, enquanto o ANPP é pré-processual.

  • Colaboração premiada: envolve crimes mais graves e exige informações úteis à investigação, diferente do ANPP, que não exige esse requisito.

 

Benefícios e impactos na prática jurídica

O ANPP tem repercussões importantes para o sistema de justiça e para os profissionais do direito.

Para o investigado

  • Evita a instauração de um processo criminal, reduzindo os efeitos estigmatizantes de uma ação penal.

  • Possibilita a reparação célere do dano e uma solução mais proporcional ao delito.

Para o Ministério Público

  • Permite uma gestão mais eficiente dos casos, concentrando esforços em crimes mais graves.

  • Reduz a sobrecarga de processos criminais em curso.

Para a Justiça

  • Representa uma medida de economia processual.

  • Diminui a litigiosidade, promovendo soluções consensuais.

 

Limitações e críticas

Apesar das vantagens, o ANPP também é alvo de críticas e apresenta desafios:

  • Risco de banalização da persecução penal: há quem argumente que o instituto pode transmitir a ideia de impunidade em determinados delitos.

  • Dependência da confissão: a exigência de confissão circunstanciada pode gerar controvérsias quanto ao respeito ao direito de não se autoincriminar.

  • Aplicação desigual: diferenças interpretativas entre membros do Ministério Público podem resultar em falta de uniformidade.

  • Necessidade de defesa qualificada: exige atuação atenta de advogados e defensores para garantir a legalidade do acordo e evitar abusos.

 

Jurisprudência e entendimentos recentes

O Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já enfrentaram questões relacionadas ao ANPP, consolidando algumas diretrizes:

  • Aplicação retroativa: o STJ reconheceu a possibilidade de aplicação retroativa do ANPP em casos em que ainda não havia trânsito em julgado da condenação, desde que atendidos os requisitos legais.

  • Controle judicial: cabe ao juiz verificar a legalidade do acordo, sem adentrar na discricionariedade do Ministério Público, salvo abuso ou ilegalidade evidente.

Esse desenvolvimento jurisprudencial reforça a importância de acompanhamento constante por parte dos profissionais do direito.

 

O papel estratégico da advocacia

Para advogados criminalistas, compreender o funcionamento do ANPP é estratégico, tanto para orientar clientes quanto para negociar condições mais vantajosas com o Ministério Público.

A defesa técnica deve analisar criteriosamente:

  • A presença dos requisitos legais.

  • A proporcionalidade das condições impostas.

  • Os riscos de não aceitação do acordo.

Assim, o advogado não apenas assegura o respeito às garantias constitucionais do investigado, mas também atua de forma ativa na busca por soluções penais mais céleres e eficientes.

 

Conclusão

O Acordo de Não Persecução Penal é uma das ferramentas mais relevantes introduzidas recentemente no processo penal brasileiro. Ao combinar elementos de eficiência, consensualidade e reparação do dano, ele redefine práticas tradicionais da persecução penal, abrindo espaço para soluções mais equilibradas e modernas.

Para o profissional do direito, dominar os aspectos teóricos e práticos do ANPP deixou de ser apenas uma atualização e passou a ser uma exigência da atuação contemporânea. A consolidação de entendimentos jurisprudenciais e a aplicação cotidiana demonstram que o instituto veio para ficar e será cada vez mais relevante no cenário jurídico.

 

Chamada final

Se você é advogado ou servidor público e busca compreender em profundidade as transformações no processo penal e em outros ramos do direito, o INTRA oferece cursos de educação continuada especialmente desenvolvidos para profissionais que desejam se atualizar com conteúdo técnico, acessível e alinhado às demandas da prática. Conheça nossa plataforma e avance na sua trajetória profissional com conhecimento de qualidade. Clique aqui para conhecer.