
O Supremo Tribunal Federal (STF) tem sido palco de julgamentos de grande repercussão jurídica e política, especialmente após os acontecimentos relacionados aos atos de 8 de janeiro de 2023. Entre os diversos votos proferidos no processo que envolve o ex-presidente Jair Bolsonaro e outros réus, o do ministro Luiz Fux chamou atenção pela forma como resgatou debates clássicos do Direito Constitucional e do Direito Processual Penal.
Ao abrir divergência em relação aos colegas que já haviam votado pela condenação, Fux trouxe à tona questões sobre competência jurisdicional, foro por prerrogativa de função e a adoção de uma postura garantista no julgamento. Este artigo, com caráter estritamente educativo, busca analisar o voto do ministro em profundidade, fornecendo subsídios teóricos e práticos para profissionais e estudantes da área jurídica.
1. Contexto do Julgamento
O caso em análise no STF envolve imputações criminais como tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, organização criminosa, associação para a prática de crimes e dano ao patrimônio público e cultural. O julgamento ocorre na Primeira Turma da Corte, composta por cinco ministros.
Enquanto Alexandre de Moraes e Flávio Dino já haviam se posicionado pela condenação, Luiz Fux apresentou voto divergente. Sua manifestação destacou não apenas aspectos de mérito, mas sobretudo a discussão preliminar sobre a própria competência do Supremo para processar e julgar o caso.
Esse contexto confere ao voto relevância que vai além do resultado específico: ele reaviva debates clássicos sobre os limites do STF e a interpretação da Constituição em situações complexas.
2. A Questão da Competência do STF
O ponto central do voto de Fux foi a tese da “incompetência absoluta” do Supremo Tribunal Federal para julgar o caso. Segundo o ministro, como Jair Bolsonaro já não exercia mandato eletivo no momento em que a denúncia foi oferecida, não haveria razão para a Corte manter a jurisdição.
Essa interpretação se ancora no princípio segundo o qual o foro por prerrogativa de função deve ser restrito a autoridades em exercício. O instituto, previsto no art. 102 da Constituição Federal, visa assegurar que certas autoridades sejam julgadas pelo STF em razão do cargo que ocupam, e não por motivos pessoais.
Ao sustentar a incompetência do STF, Fux argumentou que a manutenção do foro após o término do mandato seria uma inovação normativa posterior aos fatos e, portanto, não poderia ser aplicada retroativamente. Assim, a consequência lógica de sua posição seria a anulação do processo e o envio do caso para instâncias inferiores.
3. Garantismo e Mudança de Postura
Outro aspecto relevante foi o perfil garantista adotado por Fux em seu voto. Historicamente, o ministro era associado a posições mais rigorosas, como observado em julgamentos da Operação Lava Jato. No entanto, ao acolher teses das defesas, como a questão da competência e a preocupação com o volume de provas, Fux aproximou-se de uma postura voltada à proteção do devido processo legal.
O garantismo penal, conforme desenvolvido por autores como Luigi Ferrajoli, busca assegurar que o poder punitivo do Estado seja limitado por garantias constitucionais, evitando abusos e assegurando a legitimidade das condenações. Ao adotar esse viés, o voto de Fux reforça a importância de observar não apenas a gravidade dos fatos, mas também os limites processuais que dão validade às decisões judiciais.
4. O Argumento sobre “Juízo Político”
Fux também ressaltou que não cabe ao STF exercer um juízo político, isto é, definir o que seria “bom” ou “ruim” para a sociedade. A função do tribunal, segundo o ministro, deve restringir-se à análise do que é constitucional ou inconstitucional, legal ou ilegal.
Esse posicionamento resgata um princípio basilar do constitucionalismo: a separação entre o poder político, que atua segundo critérios de conveniência e oportunidade, e o poder jurisdicional, que deve decidir com base no direito positivo. Para profissionais do Direito, essa distinção é essencial para compreender o papel institucional do STF e os limites de sua atuação.
5. Aspectos de Mérito
Após analisar a questão preliminar, Fux também se manifestou sobre o mérito da ação. Ele votou pela absolvição dos réus no crime de organização criminosa armada, alegando que não seria possível atribuir responsabilidade penal de forma direta aos acusados pelos atos praticados por terceiros durante os eventos de 8 de janeiro.
Essa análise remete ao debate sobre autoria e coautoria no Direito Penal. Para que alguém seja responsabilizado por organização criminosa, é necessário comprovar participação ativa, estável e permanente no grupo. A imputação não pode se basear apenas em indícios indiretos ou em atos de outros indivíduos.
O voto, portanto, trouxe à tona uma questão importante: até que ponto se pode expandir a responsabilidade penal em contextos de multidão e eventos coletivos?
6. Repercussões Jurídicas
O voto de Fux possui repercussões que extrapolam o caso concreto. Entre elas, destacam-se:
Precedente sobre competência — caso a tese prospere, pode impactar outros processos envolvendo ex-ocupantes de cargos públicos.
Fortalecimento do debate sobre garantismo — o voto reforça a necessidade de conciliar o combate a ilícitos graves com a preservação do devido processo legal.
Material para concursos e estudos acadêmicos — o voto pode ser explorado em provas de concursos públicos e em pesquisas sobre Direito Constitucional e Processual Penal.
Discussão sobre responsabilidade penal coletiva — ao afastar a imputação de organização criminosa, o voto convida à reflexão sobre os limites da coautoria e participação em crimes de multidão.
7. Implicações para a Comunidade Jurídica
Para advogados, juízes, promotores e professores de Direito, o voto de Luiz Fux é um convite à reflexão sobre três eixos fundamentais:
Direito Constitucional: até onde vai a competência do STF e como deve ser interpretado o foro por prerrogativa de função?
Direito Processual Penal: como equilibrar eficiência investigativa com garantias constitucionais?
Direito Penal: quais são os limites da imputação em crimes de autoria coletiva?
O artigo não busca emitir juízo de valor sobre o acerto ou desacerto da decisão, mas ressaltar o potencial educativo do voto para a formação crítica e técnica dos operadores do Direito.
Conclusão
O voto do ministro Luiz Fux no julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro não se resume a uma simples divergência em relação aos colegas. Ele representa um marco de reflexão sobre competência constitucional, garantias processuais e responsabilidade penal.
Independentemente do desfecho final do caso, o voto oferece rico material para estudo e debate no meio jurídico, reforçando a importância de que as decisões judiciais se pautem pela Constituição e pelos princípios do devido processo legal.
Para profissionais e estudantes de Direito, acompanhar e analisar decisões como essa é essencial para compreender as tendências jurisprudenciais e os desafios contemporâneos da jurisdição constitucional brasileira.